domingo, 2 de junho de 2024

Fui erro.
Lutei contra mim.
Fui tempestade.
Atravessei barreiras.
Fui inocência.
Suprimi meu real.
Fui guerra.
As granadas me deixaram em fragmentos.
Fui sonho.
Renasci todas as manhãs.
Fui teimosia.
Arrastei meus medos.
Fui solidão.
Me encobri para que nem eu mesma me achasse.
Fui reza.
Esbravejei contra todas minhas convicções.
Fui silêncio.
Os gritos abafados sucumbiram.
Mas fui eu.
Vivaz, real, inquieta, tenaz.
Tudo o que poderia caber na insana ganância de vida, tomei para mim. Pra lá dos tormentos que acolhi, ainda sou eu. Mesmo com as premissas de ser mais, melhor, maior, fico com o pequeno espaço que me compete. O inteiro de mim.

 Cansa morrer todo dia e ter que continuar a viver.

Cansa embriagar o corpo para acalmar a alma.

Cansa estancar o choro com a alegoria de sorriso.

Cansa o estar, a vasta possibilidade de se perder.

Cansei do eu suprimido, de tanto me afogar no mar de palavras que engoli.

 Flori.
Renasci no teu sorriso.
Teu corpo capta tudo o que meus pensamentos clamam.
Teu viver inunda minha alma, eterna criança em deleite da inocência. 
Tua graça me eleva e sei por quantas quedas precisei passar para estar aqui.
Corpos em transe, destinos cruzados, alma liberta. Amor puro. 
Flori.
O desabrochar, dizem bem, demora. E quando chega, alinha até a última frase dos meus lamentos.
Teu ser habita em mim.

 Novamente a onda me invade. Questiono. Suspeito. Calo.

De todos amores, o seu sempre me embargou. Porque me carrega, me balança enquanto as turbinas te disparam pra longe de mim. Sei do tanto de amor que cabe aqui, e sei que sua parte nunca irá embora. Como nos primórdios de cavalos brancos e princesas nas torres, sua presença sempre foi real - mesmo quando negamos de uma forma ou outra. A magia do entender-se me encanta, me desarma, me paralisa da melhor maneira que poderia. E eu sei que sempre será assim. Leve, pairando na brisa que nos rodeia mesmo quando a turbulência ataca nosso íntimo. Os bons ventos sempre nos conectam.

 Tudo diz tanto sobre você, que ainda embargo a voz quando o canto te faz presente. Tudo me lembra o som, o nascer do sol, a chegada da lua. E diz tanto sobre mim que tento evitar, que meu eu ainda anda em cinzas. Tudo parece sucumbir nas linhas tortas de uma tentativa de perfeição. Em vão. Ainda tudo me traz aquela brisa, ainda tudo aperta o peito, ainda tudo corre pro que seria nós. Ainda eu me prego peças que não sei atuar. Ainda eu escalo montanhas para ver o abismo mais de perto. A queda é inevitável.
Tudo diz tanto sobre mim, que me recuso a acordar. Porque tudo sobre mim, é também sobre você.
 Eu já fui arte. Fui amor. Fui vida.
Hoje são restos acumulando pelos cantos, esvaindo quando cheia, transbordando o que tanto falta. Sou a quimera perdida de meus 18 anos, sou a falha na memória que me dissipa. E em tanto tempo não sei mais o quanto serei ou quanto teria que ser para a completude. Me sinto falida de mim. Sem os alavanques de outrora. Sem a graça de ter-se inteira, ungida de luz e vida. Os precipícios já nem se contam, que só eles enxergo a volta. Serei eu essa sombra que tudo engole? Será a sombra o abrigo do que me resta? Quando serei eu inteira ? Quando serei eu abrigo de luz? 

 Nem tudo entendo, nem tudo entrego.

Nem tudo amargo, nem tudo alento.

Nem tudo torpor, nem tudo amadurecimento.

Nem tudo afogo, nem tudo lamento.

Nem tudo fase, nem tudo reconhecimento.

Mas tudo eu, tudo você, tudo alinhamento.

 Das flores despedaçadas.


Do grão renasce novamente o que outrora florira.

Sou pétala caída buscando caminho entre seus dedos.

Flori pra ti e eis que a vida cobrou sua parte. Memória minha encarada de tão longe.

Flori e não cobrei senão orvalho, que regue o caos e me torne viva.

As pétalas caídas já não choram, a vida há de levar e trazer o que bem nos quer. Outros botões estão por vir. Ei-los em nossas mãos.

Tu me deste isto: renascer em flor. E lhe devolvo a máxima permitida aqui: todo meu amor.

 Eu não quero chorar.

Não quero me encaixar nas tuas sombras.

Não quero dizer verdades doloridas. E mesmo tendo dito, não quero conectá-las ao fim.

Não quero ser parte de um porão cheio, mas vazio de sentido.

Não quero as tardes solitárias mirando o sol levar embora o brilho dos dias.

Não quero estar atenta ao que fere, porque não me interessam as mazelas da vida.

Não vou encarar mundos para descobrir que eles desabam sobre mim.

Recuso veementemente irradiar bem onde não cabem meus maus bocados.

Eu não quero chorar.

Não quero estar no quarto enquanto a sala brinda chegadas.

Não quero dispor meu sorriso onde minhas lágrimas não são bem vindas.

Não vou misturar o falado e o feito, que bem sei que a fala beira o erro.

Não quero desistir do que me traz paz, tampouco aceito que se vá.

Não há sorte maior que desejar a sorte de braços abertos.

Não quero esquecer... Que a vida precisa ser lembrada desde o sim ao jamais.

Não vou chorar. Meus medos apaziguaram. Meu torpor virou calma. Meu querer é vida, cor e deleite.

Eu não quero chorar.