quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

 Inveja eu tenho dos pássaros, da neblina que paira nas montanhas, do vento que leva as folhas, da chuva que cai salgando os lábios que olham os céus.

Inveja eu tenho do belo, do livre, do finito, do lar onde habita a paz.

Inveja eu tenho do mar, que entre tormenta e calmaria, purifica os corpos que ali adentram. E da pele, que vezes arrepia no roçar de teus dedos. E da boca, que beija calmamente, deleitando-se na saliva de paixões abruptas. E do suor, escorrendo cálido entre os corpos dos amantes.

Inveja eu tenho de quem, em posse de teu ser, afaga tua face como quem sabe acreditar no pra sempre. E acreditando, escora o peito em ilusões que eu também queria conhecer.

Inveja eu tenho do que não posso ter. E não tendo, desafio a vida, luto e brado, reafirmo, me afago. Todo trago me faz gélida, intrépida, errante, fugaz, desperta.

Inveja eu tenho de quem, entendendo a vida, põe-se nela com a firmeza do saber, mesmo quando nem tudo sabe. 

Inveja eu tenho das palavras que afirmam, da música que sai de tuas mãos, da bebida que aquieta tua alma, da calma de quem sabe esperar. Eu espero como vulcão. Eu te leio como tornado. Eu te escuto como trovão. Eu te devoro.

Inveja eu tenho do tempo que tive, do que te roubei, e do que virá.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 Efeito colateral.

Espasmos de outrora invadindo meu silêncio. Em toda direção um lembrete do não pertencer. Em todo vazio um gole de solidão.

Num estalar de dedos tudo se vai, foge como se não fosse certo viver a intensidade. E sem ela me recuso.

De tantos caminhos, onde mais poderia caber, ser, brotar, merecer?

Nos ensaios e tentativas, tanto. No real o medo me rouba as possibilidades. Dilacera o resto que ainda tinha. E deixo, porque essa dor me faz compreender que nunca será eu.

Teus ouvidos nunca ouvirão a parte que dói mais. Teus olhos nunca verão o tanto que colhi e entrego. Tua pele nunca sentirá esse calafrio quando me dispo do entender. Porque tudo que eu queria era tentar. E outro abismo me engoliu.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

 Que as oportunidades sejam aproveitadas,

Os anos sejam leves,

As batidas compassadas,

O amor reinventado,

O terror breve.

Que tudo que valha venha e fique,

Cresça, brinque,

Encontre, ilumine,

Entrelace, unifique,

Liberte, contamine.

 Olhos, são eles que te miram enquanto minha mente divaga em vãs ilusões .

Vasculham o desconhecido para compreender a complexidade da vida.

Encaram os medos para tornar a bravura real.

Olham, mas nem sempre conseguem enxergar a simplicidade do viver.

Eu te vejo com eles, mas também a alma te acompanha.

 Eu amo as nuances. Os devaneios. O imperfeito. E talvez isso me custe um tanto.

Porque na percepção de perfeição que me cobro, deixo para os outros o leve, o necessário. E cansa um tanto.

Sempre poder não é um dom, é fardo. E carrego sozinha, que não cobro de outrem a carga que me cabe.

Vezes suspiro, vezes engasgo.

Das quimeras, a indispensável atenção de trato, o afago que vai além corpo, o respeito que perdura.

Dou de mim o que tenho, e nada posso querer se noutro eu não há espaço para receber.

Continuo amando, tentando o equilíbrio, errando alvos. E por vezes o prêmio não vem para quem atira. Tornei-me alvo de minha ânsia, e fui despedaçada por flechas que não eram para mim.


 Achei-me nos vãos que me habitavam, busquei o outro, e mal percebi que somente eu era meu lar.

Vaguei por histórias que não me pertenciam, escolhi caminhos que não me acolhiam e, de tanto olhar o espelho, entendi. Em tanto quanto lugar que vou, lá me vejo e me permito experimentar, deixei de lado meus nãos. E vi que isso assusta, não a mim, mas a quem ainda não descobriu como 'ser-se'. 

Agora, cada parte de mim pertence a um mundo que é só meu, e de quem eu permito que nele permaneça.

 De todos os acasos, o único que me faz continuar é esse - que não vos conto por medidas protetivas. Me faz dançar às voltas com minha solidão, correr em torno do quarteirão de mim mesma. 

Hei de fazê-lo real, que por tudo luto, e sei que assim tu - o acaso que tanto quero, fará rotina esse canto. 

De todos os caminhos, esse labirinto é o que me atrai - de chegadas e partidas que tu ainda nem imaginas.

De mostrar que o tudo ainda é pouco e o pouco nada é. 

De todos os acasos, a flor mais bela, o céu mais azul, as ondas mais calmas, o pássaro mais colorido, a nota mais alta. 

E por acaso, tu saberás o que lhe cabe

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 Eu vi o amor passar, e, claro como sol, ardeu-me os olhos.

Passou e deixou um rastro que ainda agora me passou uma rasteira. Dessas que caímos rindo, como se fosse fácil o êxtase.

Passou e me parece peculiar que tenha atingido justo a mim, abismo do incerto. Uma faísca que alastrou por toda essa praia que insisto em molhar os pés - quando é óbvio que até minh'alma deleitou-se no mar.

Passou e queria ficar, fez birra e beiço, e eu, encantada que sou, acolhi. Porque acolho sempre as vertentes que me maceram o peito.

Passou e agora enxergo, ouço em alto e bom som os acordes dessa valsa. Lenta na entrada e feroz em cada segundo de caça. Sou presa e predador.

Passou e doeu-me um tanto aceitar, que deveras seria meu, um pedaço um tanto seu, que agora chamo lar.

 Eu gosto dos golpes...

Mas duros como me vão, perco a cabeça.

Perco o ar

Perco o chão.

Tenho tudo e quando me vês, o tudo é pouco.

O nada parece veloz e cabível.

A brisa que me toma anseia por tanto. E tão pouco me bastaria...

E fico sã, em meio ao caos ainda me mantenho vívida.

E nem tudo me acolhe, nem tudo me acalma.

Os golpes, duros e infalíveis, me acertam.

Mas não me levam, não me calam.

Eu vibro, me envolvo, aceito.

Aos poucos voltam o ar, o chão, e tu.

Volto a mim, suspiro, os ais me alimentam

 Poderia dizer mais, e tanto, e logo... 

Mas o tempo breve me mantém muda. Não por não ter a palavra certa, mas por saber que ela não seria necessária.

Quando digo, uma avassaladora onda invade, e tudo vira mar, e tudo engole.

E o medo vem. E me calo novamente.

Se fui feita pra ser, por onde mais posso espalhar meu grão, gritar minha alma, lavar meu riso?

Poderia fazer mais, e tanto, e logo...

Mas o tempo de preparo sabe bem amadurecer as coisas. Fez de mim amuleto de mudança, casa de imaginação, portal secreto.

E me fez grande, me fez garra, me fez fé.

Minhas peles e entranhas, minhas cores e trapaças, todas encarnam o eu que agora lhe apresento.

E fui feita assim, pra ser o que tu queres, sem saber que primeiro eu escolho quem és.

E agora digo e faço mais, e quando calo, é porque sei onde tua parte acaba.


 Sorri. E nesse instante senti teus olhos em mim. Passaram e eu, vidrada, deixei-me cair. O riso me cobriu, pois assim era pra ser. Tantos vãos e eu ainda me encontro nesse olhar. 

Entre todas as coisas que eu poderia escolher, eram eles que eu queria cativar. Não porque quero que me fitem ao acaso, mas porque eles dizem muito, e é assim que consigo ler.

Teu par me sequestrou e ainda em transe vos digo: _ Entre sem bater.

 Engana-se quem tenta ler,

Porque é canto, é brisa, é eco.

Entre teus devaneios se vai o belo,

Descalço em terra de cacos.

Engana-te porque queres que assim seja:

Tua razão acima da ternura.

E perdes, que quem joga uma hora perde.

Escolhe por fora, desconhece e ignora o interior, que digo-lhe: vale mais.

Engano-te, não por escolha minha, mas porque teus olhos já escolheram a direção errada.

E veja bem, se perguntas eu respondo. E esse é o ponto fraco, pois não queres saber.

Por isso canto, o que sai de dentro me parece melhor aos olhos certos.

Tu me enganas, e eu, certa de mim, conheço mais a fundo a verdade que carregas.

Deixei-te.

 Se viro o avesso, o que encontro?

Se espero calada, dilacera o que resta. E é pouco, finito, arredio.

Meu gole de pressa, meu furor na calmaria, minha quimera perdida.

Esse é o avesso que eu queria: _ 3 inteiros do teu eu.

Mas a vida sabe que as metades me condenam no pra sempre.

Errante ser, meu erro é pensar-te mais. E ninguém o é.

Continuo calada pois as chamas te fariam sucumbir. Não quero ser teu fim.

Se me vires claramente, saberá que não é a dificuldade que te atrai , tão pouco o medo. É o real, o que cabe, o que encaixa.

Feito tudo o que alcancei, suprimi o que ainda cabia e fiz de mim baú de ilusões. Elas me tomam loucamente sã. Sei bem do mundo que me cerca.

O avesso é esse que vos mostro, que nada me convém esconder. Sou carne e osso, sentimento e loucura. Dessas que penetram fundo e te assolam sutilmente, escarnecem com doçura sua dose de caos.

Sei quem és. E não tenho medo. De todos os danos, escolhi o amor.

 E se fosse (o) amor, o último suspiro?

Sem fôlego retomo a mim, e ensino-me o recomeço. E encaixa perfeitamente bem em minha pele essa alma lavada.

Aos brandos, aos santos, aos incrédulos, deixem de nós. Desate. 

Eu me ato ao fato da beleza ser paz, um burburinho de primavera, um suspiro de gozo despretensioso. 

Esse é o ar que me preenche, a nudez anunciada, o véu de novas eras, o eu entregue.

E se for amor, que seja o meu.

 Dos sonhos, o melhor. Você chega e já não importa a hora, o credo, a angústia. Como num furacão, tudo tu levas embora, inclusive a falta que em meu peito habitava. E me preenche, distante e tão perto. Teu eco ocupa o tanto que me faltava, avassala meu viver, traz de volta minha alma. 

 Morri.

A pressa da alma me fez falir. O peso da calma nunca me coube. Em tantos lugares quanto me depositei viraram ruínas. Em cada suspiro o desfalecer desse coração descompassado.

Morro. 

A cada segundo que espero, cada palavra que suplico, cada ação que me sequestro.

Não existe outro eu, vejo agora o duro golpe que me aguarda. Ser meio inteira, sem ser toda sua.

Morrerei enfim, que nada mais me vale... A não ser teus olhos, quando me cercam comprimidos em riso fácil. E tua boca, que diz tudo o que eu quero, sem nem ao menos me tocar.

E depois, renascerei, com a brisa leve do teu sussuro em meus ouvidos. E o toque suave de seus dedos em minha face.

Estarei, enfim, viva.


 Achar lugar em si mesmo é estranho, é dolorido, perturbador. Mas perder esse lugar é o caos, tragédia particular. É estar com as entranhas expostas num mundo cão, onde nada nem ninguém pára pra ver você sangrar. Estancar a ferida é somente seu papel, mas nem sempre sobram forças. 


É preciso aquietar a alma, levar a mente para outros passeios, deixar de lutar contra o que te faz pulsar. É preciso manter-se sereno, e ao mesmo tempo ter bravura. É preciso que desapegue do mundo, mas nunca de seus ideais. É preciso colocar pra fora o sentimento, a ânsia, o desejo. E como é possível, manter-se nos padrões do que desejamos, se não nos damos a oportunidade? Se deixamos a culpa invadir, o medo apertar, a loucura abater? Precisamos de tão pouco, e ainda assim, mantemos os olhos fechados. 

 Há um tempo eu dizia que o amor devia ser morno para não queimar. Mas isso aconteceu porque eu estava muito machucada e achava que as coisas precisavam ser brandas, que os sentimentos deviam ser amenos. Mas eu precisava deixar marcado aqui até para mim mesma, como um conselho ou uma forma de lembrar que o amor nunca deve ser morno, ele precisa queimar. Eu não sei depositar nenhum sentimento pela metade, não sei ser lareira enquanto posso ser um vulcão em erupção. Prefiro isso ou nada. Porque é assim que a vida deve e merece ser, intensa. Amanhã tudo acaba e estamos aguardando a hora, o momento certo, a casa, o dinheiro, e a vida vai passando sem que notemos. Saímos destruídos por nossas ambições de ter, e deixamos de lado o ser, que é o que nos leva a entender o verdadeiro significado de tudo.

Entender isso e estar em paz são coisas que te trazem a maior riqueza que pode existir: ser você por inteiro.

Nada que chegue de fora pode te completar antes disso. 

E é tão difícil entender. Quebramos tanto a cabeça, passamos por tantos terremotos internos, nos deixamos despedaçar. Deixamos o nosso eu na mão do outro, esperando que alguém consiga entender, que possa fechar nossas feridas de tanto tempo. Tantos erros pra entender que estamos sós, e que isso não é ruim. Isso é o pré requisito para vivermos em sociedade.

Nunca leve amor morno, nunca deixe que te dêem amor morno. 

Te desejo chamas.