sábado, 22 de julho de 2023

 Da janela que lhe escrevo a brisa bate como quem anseia entrar... E entre todos os vãos que me permito, tua presença preenche, tal como líquido que se derrama inundando tudo que encontra. E me deixo, sem medo, sem pudor, sem culpa do que é e do que será. Nas fases que enfrento, a sua não quer passar... Ou eu?

Da janela que abriu, te vejo. Horas a fio, sorriso estampado, eco embriagado. Por quantas estações seguirei antes que a chegada me aceite? Ou quando e onde a sua me estacionará?

De onde suspiro, mundos colidem, esperanças berram, amores paralisam. Deveras sou um pontinho finito nesse mar de mãos que se deixam escapar, e voltam aflitas no aperto do que se tem. Quem dera me olhes dessa janela e, num aceno sincero, digas que vem.

 Às vezes é assim. Imóvel. Na mudez do meu barulho tentando expulsar as palavras. No turbilhão que só eu sinto. No zelar do sentir alheio. No afago que nem sempre me dou. No erro que me corta do mundo perfeito que crio e recrio sem cessar. E está lá, no olhar, no fundo não é assim tão oculto. E toda vez acho que pode ser mais. Que deveria ser. Que preciso ser. E desmonto, desabo, descanso. Revogo. Renovo. Respiro.

Às vezes nem assim é.

Às vezes eu só sussurro que vai passar.

E às vezes passa demais. Perde a estação.

Mas eu volto. Eu estou aqui.

 E eu na espera, na espreita, sempre atenta. Teus caminhos não cruzam os meus, teu olhar vai distante procurar outros horizontes. Em cada linha, cada verso, cada vaga que se estreita em caber, mais um triz se achega a mim... 

De todas as minhas falhas, o amor é a maior. Na intensidade do trocar, deixo escapar um tanto que não cabe em todo lugar. No inseguro minha colheita é farta, corta-me os pulsos a navalha do entregar. E cedo, pois de esconder já passou meu tempo. Entrego o inteiro, pra que aches a parte que lhe transborde a alma.

E na calada, no sucinto, no grito, reina meu coração.

Teus caminhos, meu labirinto.

 Eu sou a junção dos pedaços. Das peças que colhi no caminho, das experiências que me enfiaram goela abaixo, das falhas que cometi, do sucesso que obtive nas tentativas, do eu calado que gritou pra que eu pudesse me reencontrar.

Eu sou a parte que, na pequenez da capa, preenche uma sala imensa de ecos. E risos, e canto, e sentimentos.

Eu sou de tantas formas que me proponho ser, e de tantas, tentei as que me cabiam. Ser eu. Ser minha. Ser mundo.

Nas entranhas que me habitam, nas palavras que me engasgam, no afago que ao alheio proponho, de tudo agora só quero a leveza, o caminhar nas nuvens com pés firmes. 

Me bastam meus cacos, me bastam meus eus, meus meios e fins.

E de peça em peça, completei meu escudo, meu lar, o inteiro é ainda uma parte.

 Meias palavras bastam.

Entender me dói, corta em fatias que me levam de volta ao começo.

E recomeço, que ainda me cabem todos os sentimentos.

A ira da culpa, a paz do correto, o choro da liberdade. E é feliz a completude de si.

Das páginas que li, ainda matuto as entrelinhas. Elas me tem.

A cada dose, a certeza de que a garrafa escorre entre minhas mãos. Seca a boca.

E como numa valsa, tudo se alinha no embalar dos corpos. 

De todos os saberes, o não saber é o que me provoca. Me atira, me capta, seduz.

E quando sei, já é hora de ir.

 Inconstante. Imperfeito. Impulsivo.

Aos reis seus castelos. Eis que à beira d'água a areia desmorona.

E faltam os fortes, faltam os reais, faltam os suspiros.

Da terra firme observo. Eram tantas interrupções que somente de longe pude entender. 

Das feridas, dos impactos, dos desatinos, das leis que inventaram e não me cabem.

Sei o quanto dói e por isso dou meu lado paz, riso, loucura. Sei o quanto vale esquecer as feridas. E acolho, dou asa, abrigo dos males.

Ímpar. Improvável. Implacável.

 Assusta. E não pelo ser. 

Parecer é o que desarma. Enquanto aos prantos se tenta equalizar, por fora o sonoro eco da aparência imobiliza.

Em tantos cacos a vida me fez, mais parece pesado o olhar alheio.

Que de quimeras vivo, iludindo um coração fraco de bater. Na ânsia de mostrar o que vale, mais me matam as percepções de um casco provisório.

Vês? Não é o que parece. Nunca foi.

Mas lá no fundo, na alma que estes olhos abrigam, há um tanto que poderias enxergar.

E fali novamente na entrega. Porque quem não quer receber, arruma qualquer motivo para escapar.

Por dentro é tão maior, nas veias me correm rios, afogando o amargor de ser pronfuda quando o raso cativa a multidão. 

Eis que me vejo onde sempre deveria estar, onde posso ser do tamanho que sou, onde o acalento me faz companhia. Sou minha.

 Tremores.

O salto do abismo pousou em mim.

De tantos suspiros, adocei minh'alma.

As voltas me fizeram tonta, embriagada do meu ser.

E no dobrar da esquina, me deparo com o que temia... A calmaria.

Numa veste que sei bem não era minha.

Mas me coube bem, me acolheu, me fez sorrir.

Em plena noite, em plenos pulmões, quantos erros cometi?

Quantos eus afoguei?

Qual espaço teu preencherei?

Qual parte minha cabe em ti?

Nem sempre a queda é o fim.


Caí em mim.

 Lembrança.

Pequeno espaço que dilacera.

Nas veias corre a ânsia, a irresistível luta pelo futuro.

Tremor, desejo, alucinação.

Em meio às quimeras - que tive-, fugas tuas que me corrompem. Ou te?

Ensaios que não serão apresentados, destinos bifurcados.

A noite sussurra que logo vem outro dia, já não me basta o hoje. No encolher do passado, o futuro se achega, me engole.

Lembrança.

Vazio do que outrora preenchia.

Nas ruas o cálice do porvir me chama para uma nova ressaca.

Encanto, distância, exaustão.

De tudo que me valia, já não cobro mais, já não me importa mais. Sigo o fluxo de uma alma em chamas.

Lembrança. Teu olhar me ata. Tua boca me aviva. Tua ausência ecoa.

 De onde vem o amor? Eis a pergunta que embrulha o estômago, dilacera as entranhas, bagunça a cabeça. E nos entregamos, mesmo sabendo a confusão que causa.

Para onde vai o amor? Quando as borboletas já voaram para longe, quando o adeus é inevitável? Poderia ser calmaria, mas sempre tem um furacão nos aguardando.

Como acaba o amor? Quantas vezes procuramos respostas para perguntas que nasceram para não tê-las? Afinal, se nada é para sempre, por que matutamos tanto? Incorrigível amor, de onde me olhas?

 Um pulo, mergulho.

A profundidade é lei. Nunca de cabeça em rasas marés. E a dança se faz, entre ondas e suspiros, no embalar de correntezas e calmaria. De tanto zelo, tanta fuga, o encontro do improvável. Do avesso e em toda parte. O amor só afoga quando é pouco.

 Eu não era eu.

De tantos espaços e caminhos, virei labirinto.

Em tantas tomadas, refém do que me propus, fali amargamente.

E revivi, inúmeras vezes tentando o acerto. Reavaliei, reestruturei, recomecei.

E cada dose foi o suficiente para embriagar minh'alma. O corpo coberto de olhos que não me vêem, o cálice de conversas mundanas, a foice que me envolve a carne.

Eu não era eu.

E até convinha dizer que sim, que tudo de perfeito podia me habitar, que os laços frouxos estavam ali para não sufocar. Mas a verdade é que os nós me alimentam. Só assim o vôo é seguro e me mantém viva.

Agora sou.

 Eu sei que você viu

E percebeu

Que não era mais

Que levou tempo

Mas passou

Como o vento soprando

Todas as sensações

Alastrando pelo corpo

Que já não te pertence

Que já não te chama

E enquanto percebes

Passou também o agora

Como passam as horas

E todo minuto que nelas percorrem

Eu sei que sentiu

E soube

Que o passado também dói

Mas ensina

Prepara

E o presente traz de volta

Só o que sempre foi seu

Hoje o adeus sorriu

E finalmente abriu asas

Teu canto ficou guardado

E mesmo no fim

Agradeço os porquês

E anseio como criança

O retorno a mim.

 Lá no fundo o embate, que mais importa qdo as tentativas são falhas?

Até quando se entende normalidade o palco dessas batalhas?

Retornar, reaver, reinvidicar.

No espaço em que cabem meus lamentos, cabe também a poesia de noites em claro, o cantarolar na chuva, o desabrochar de paixões febris.

E tudo me deixa às voltas com minhas convicções. Que mais querer quando o sopro da noite me fecha os olhos? Que outro embalar sobrevive a mais uma estranheza de achismos?

Coração fraco, impune de todos os amores, vem a mim com quimeras de uma vida.

E falho, que o ato me corta os pulsos, sufoca os laços, estampa meu riso em lápides que não me acolhem.

Ser carne e osso é o estopim do viver. Sangrar é o início do fim.